[paper] daniel pires
[paper] daniel pires
19 a 27 de Outubro de 2021
Introdução
2 Consumo aqui entendido não estritamente do ponto de vista econômico, mas sim do ponto de vista
também simbólico, ou seja, ao se estabelecer uma cadeia de produção imaterial há uma estrutura de
circulação, e o consumo seria exatamente o momento de acesso e contato do público com o referido
objeto cultural produzido.
carrega desde sua constituição, embora tenha-se um entendimento muito constante que o
funk tenha uma origem quase orgânica nos morros do Rio De Janeiro, o que precisamos
exaltar de fato é que seu espaço de circulação cultural se deu na base do conflito. Embora
os bailes funks no Rio de Janeiro estejam bastante conectados com o ambiente
suburbano, os primeiros bailes foram realizados na Zona Sul, num equipamento cultural
consagrado como Canecão, pela apresentação de DJ’s que tocavam as músicas inéditas e
clássicas do soul e pop dos EUA (VIANNA, 2014). Após esse início, a direção do
Canecão visava “intelectualizar” este equipamente cultural, nesse sentido eles pararam
com a antiga programação black, tendo como efeito a expulsão dos bailes e sua rápida
transferência em busca de espaços de fruição nos bairros do subúrbio (VIANNA, 2014).
Os bailes são de diferentes tipos de funções, tem uma diversidade de público, de
estilo e se inserem numa dinâmica de territorialidade contribuindo para atribuição de
valoração das identidades dos jovens das periferias, assim como, movimentando uma
economia local. Ao se estabelecerem nos subúrbios, favelas e periferias o funk produz o
espaço, principalmente, ao permitir um estilo de vida, de convívio, de se vestir, de se
festejar, algo que os equipamentos e espaços centrais da cidade sempre negaram: “Os
funkeiros constroem seu estilo nas ruas – em especial nas de terra batida –, nas praias e,
principalmente, nos bailes” (HERSCHEMANN, 2005, p.128).
Essa primeira geração dos bailes funk se caracterizaram pela extrema
concentração em atividades na região metropolitana do Rio de Janeiro, principalmente
nas favelas dos morros, nas quais utilizavam quadras, ruas, escolas de samba para
socialização das festas, nesse momento também marcado por uma influência grande das
batidas vindas diretamente dos estilos do hip-hop dançante dos Estados Unidos (VAL;
OLIVEIRA, 2016). No trabalho histórico e antropológico de Hermano Vianna (2014,
p.24) sobre o retrato de organização desses primeiros bailes funks, à partir de uma visão
durkheimiana, identifica-se três elementos centrais que pudera notar como norteador de
um sentimento compartilhado entre os sujeitos que construíam e consumiam aquele
espaço do baile funk carioca: “1) superação das distâncias interindividuais; 2) produção
de um estado de efervescência coletiva; 3) transgressão de normas sociais”.
Desse modo, desde sua gênese, o funk, tendo nos bailes sua dimensão física de
manifestação territorial, se incorporou na sociedade brasileira como um gênero cultural
que se estabeleceu pelo conflito social no uso dos espaços urbanos, lutando por sua
legitimação pelo direito ao lazer e à cidade. Não por acaso à ida aos bailes reconstrói uma
tradição da cultura popular brasileira das classes mais oprimidas manifestarem em seus
espaços de moradia seus gostos, estilos e identidades. O próprio ritmo do funk propõe a
todo momento o contato, a troca, a expansão da área de manifestação. Uma batida que
pulsa, que fomenta a circulação no local, e que portanto não se restringe apenas à esfera
musical. Não apenas como espaço de transgressão e convívio, os bailes também
reproduziam elementos de competição, erotismo, humor, e uma ritualização da violência
(HERSCHMANN, 2005).
Essas formas de comunhão não ocorriam de maneira uniforme e com perfis
homogêneos, elas variavam à partir dos tipos de regramentos moralmente construídos
que ocorriam nos espaços com usos específicos, podemos classificá-los em 3 tipos: os
bailes de comunidade (gratuitos e onde se orientava a proibição de brigas entre os
presentes), os bailes usuais, e os bailes de corredor (esses dois últimos onde se notavam
mais brigas, e havia toda uma estrutura organizativa onde cada público teria que ficar, o
local das mulheres na pista de dança era definido antes dos eventos) (VAL;OLIVEIRA,
2016).
O funk portanto, diante toda sua complexidade, reproduz uma tradição da cultura
popular lutando por espaço de representação social. Chegamos portanto num ponto
interessante, a noção de que os espaços culturais no país, por muitas décadas ,esteve
vinculada ao ideário de equipamentos culturais tradicionais, que se propunham à uma
programação muito específica de linguagens, com viés artístico erudito. Assim, a noção
de espaço cultural, historicamente, sempre esteve submetida aos ditames do estado e do
mercado (ALBINATI, 2008 ). Sendo que estes sempre estiveram como ponto estratégico
de fundo representar o simbolismo da autoridade, nos termos como Certau (1995) coloca
– na realização do crível, do aceito, do autorizado.
Com o sucesso dos bailes funks nas comunidades do Rio de Janeiro, rapidamente
o gênero musical passou também a ganhar importância na indústria cultural, não que sua
produção estivesse verticalmente submetida a lógica de circulação das grandes produções
culturais, das gravadoras e da grande mídia, pelo contrário, isso ocorreu com muita
disputa, com diversas contradições, mas que se configuravam no seguinte sentido – o
funk aproveitava os interstícios das indústrias culturais para poder dar legitimidade
comercial ao gênero musical (HERSCHMANN, 2005; VIANNA, 2014). Assim, na
entrada de meados dos anos 90, o funk passaria por novas configurações temáticas,
expandindo-se para novos territórios geográficos, os bailes de comunidade, de corredor,
as temáticas das danças coletivas, dos melôs (VAL;OLIVEIRA, 2016) não sairiam
totalmente de cena, mas embarcariam novos elementos emergentes pelas condições
históricas e econômicas do momento de aprofundamento do neoliberalismo brasileiro.
Entre meados dos anos 90 e início dos anos 2000 há uma acentuação da crise
neoliberal no país, marcadas, principalmente, pelo desemprego e pelo baixo poder de
renda de amplas camadas das classes trabalhadoras. Na prática, a desestruturação
produtiva econômica, baseada na flexibilização da legislação trabalhista, foi ampliando
uma crise de graves proporções também nas relações sociais. Estas, cristalizadas pela
radicalização dos conflitos nos meios urbanos diante às desigualdades de renda expostas
e um estado mantenedor de viés autoritário. A violência urbana, passara portanto a ser
uma questão recorrente na realidade das grandes cidades , não que ela não existisse antes,
mas é nesse período que se extrapola naquilo que Dunker (2015) nomeia como a ebulição
do mal-estar à brasileira, a patologia do medo que possuía seus sintomas atrelados à
lógica de “condominização” da vida, tema tão explorado por filmes e músicas da época.
Importante retratar portanto, que do ponto de vista da produção simbólica da
cultura urbana, o antigo conceito de malandragem, elaborado por Antônio Candido e
Roberto da Matta, tinha sido envelhecido e modificado pela influência da violência que
atingia a sociedade. Portanto, haveria uma passagem da “dialética da malandragem” para
uma “dialética da marginalidade”, sendo que notadamente essa passagem deixaria as
manifestações culturais que expunham o ser “carnavalesco”, para estabelecer a figura do
sujeito “violento” (ROCHA, 2004)
Essa dinâmica social influencia a temática funk, principalmente, com o
aparecimento de um subgênero chamado “Proibidões” que tinha como intuito não mais
do uso da violência enquanto um rito, mas sim enquanto estabelecimento de uma prática
que revelava lógicas de identidade e de orgulho, presentes no cotidiano, num jogo
extremamente conflitivo que o meio urbano produzia.
A violência portanto, se estabelece como um marcador relevante ao atribuir a
coragem na construção da moralidade, é um elemento de distinção entre os membros da
comunidade, mas não só ele sozinho, a capacidade de consumo, o flerte e as
demonstrações de poder e afeto também denotariam novas configurações para
constituição dessa sociabilidade do funk (HERSCHMANN, 2005). É nesse contexto que
o funk se expande com mais proeminência no estado de São Paulo, à partir de sua
chegada na Baixada Santista, podemos colocar que a primeira geração do funk paulista
nasce abordando essas temáticas da violência e suas relações nos âmbitos locais
(VAL;OLIVEIRA, 2016).
Ao transcorrer da primeira década dos anos 2000, com uma virada também do
ponto de vista econômico, em que as camadas mais populares passariam a ter um acesso
maior a renda e aos padrões de consumo de bens duráveis, novas proposições entrariam
em cena no ambiente funk. Esse aparato de desenvolvimento do mercado de trabalho e
consumo interno, também se dava em direção à produção do espaço urbano, com o
advento de infraestruturas mínimas, até então historicamente renegados às populações
periféricas, como shoppings, grandes redes de supermercados, lojas filiais de marcas
populares, um processo de democratização altamente marcado por uma perspectiva de
acesso ao consumo.
Na cidade de São Paulo, emerge neste momento no funk a temática da ostentação,
nas quais as letras das músicas criavam um circuito cultural de exaltação das grandes
marcas, de relevar a importância do dinheiro para as conquistas do lazer e do luxo, tendo
assim, portanto, o acesso ao consumo como mecanismos de diferenciação social. Neste
circuito é impossível pensar o funk ostentação sem a articulação com a internet e os
fluxos de relações difundidas pelas redes sociais, tornando-se portanto, uma manifestação
cultural extremamente imagética, tendo o Youtube e outras plataformas virtuais, como
veículos de suas produções e divulgações, criando-se assim, toda uma cadeia produtiva
no setor audiovisual local dos territórios periféricos (PEREIRA, 2014).
Assim, nos grandes centros urbanos, entre os anos de 2013 e 2014, à partir do
sucesso do funk ostentação nas redes sociais e nos meios midiáticos tradicionais,
desenvolveu-se como forma de sociabilização dessa juventude, o uso de equipamentos
coletivos privados, principalmente shoppings, para a manifestação dos chamados
“rolezinhos”. Estes surgem à partir do encontro do cotidiano urbano dessa juventude
heterogênea e periférica, que demandava e disputava por locais de fruição para
autoafirmação de identidades e estilos de vida frutos do tempo histórico de ascensão de
renda. Deste modo, o rolezinho caracteriza-se como uma prática cultural marcada pela
ação de ouvir e cantar as músicas do funk em equipamentos comerciais, realizando o ato
ou a exaltação do consumo como meio de convívio e diferenciação. Imprimindo portanto
uma lógica dual, onde visava uma sociabilidade compartilhada pelo convívio de trocas de
experiências, mas ao mesmo tempo era uma prática que valorizava a exibição e a
competição entre os presentes como marcadores de poder.
Rolezinho enquanto prática social que visava uma disputa por espaço não é uma
sociabilidade inédita nas periferias urbanas brasileiras, ela tem uma trajetória histórica
referenciada nos “bondes” e “gangues”, carregadas, de todo modo, de elementos
constitutivos da dinâmica econômica contemporânea (PINHEIRO-MACHADO;
SCALCO, 2014). Alexandre Pereira (2014b) nota que um dos primeiros rolezinhos
anunciados nas redes sociais foi realizado num shopping da zona leste de São Paulo, o
Shopping Metro Itaquera em 2013 e que embora eles sempre escolhessem os shoppings
como foco de fruição, eles prefeririam estes equipamentos localizados nas periferias, ou
seja, é menos comum os rolezinhos em shoppings na região central ou de bairros mais
elitizados.
Num sistema de produção e reprodução social capitalista, os shoppings são
espaços que intensificam o comportamento de reificação do capital, sendo tratados
portanto como meios que emulam e criam moralidades de sacralização do consumo, ou
seja, um ambiente que carrega um ethos definido, específico para determinados públicos
e classes (MACHADO, 2015). Nessa lógica empregada ideologicamente há tanto tempo
no país, permitiu rapidamente uma reação dos setores médios, das elites, da mídia e do
estado por medidas protetivas, repressivas e de criminalização não apenas da prática em
si dos rolezinhos, mas também dos sujeitos jovens que nela se espelhavam. Basicamente,
os setores do estado e os proprietários dos shoppings, adotaram um recurso jurídico
chamado “Interditos Proibitórios” como forma de proibir estas práticas nos equipamentos
(SEVERI; FRIZZARIM; BORGES, 2015). Somado a isso, podemos colocar o uso do
aparato midiático comercial na criminalização da imagem destes jovens, assim como, a
criação de narrativas punitivistas por parte de políticos de direita.
O surgimento do pancadão enquanto modo de ocupação do espaço se configura
nesse ambiente em que os rolezinhos, diante o processo de criminalização, acabam
saindo de cena, dando sinais para novas demandas por sua territorialidade. Há portanto
uma passagem do uso de equipamentos coletivos de consumo para ocupação do espaço
público, tais como vias, praças, lotes abandonados. Somado a criminalização do
rolezinho, do ponto de vista comercial o funk ostentação não encontrava mais tanta
adesão nos meios digitais. A própria crise econômica sentida mais fortemente com o
desemprego à partir de 2015, foi dificultando o poder de compra da população, o que
pode ter afastado também a temática da ostentação.
O nome “pancadão” se configura nesses termos devido ao som alto, às pancadas
fortes que são expressas, principalmente, via potentes caixas de som dos carros
(ALMEIDA; MANTELLI, 2017). Na verdade, no período inicial do baile funk carioca, a
categoria “pancadão” já era empregada, era o estágio final do baile, se caracterizava com
esse nome, pois era o momento em que os dj’s tocavam as músicas mais animadas e
dançantes (HERSCHMANN, 2005).
O pancadão no processo de produção do espaço urbano, radicaliza o processo
anterior dos rolezinhos, pois disputa por uma ação prática, a ressignificação dos usos dos
territórios, adotando novas configurações para construção do espaço público e suas
formas de socialização. Certamente esse movimento é feita de forma extremamente
ruidosa e contraditória, os sons altos, a lotação das vias, por muitas vezes é relatada por
constrangimento para a vizinhança. De todo modo, é uma manifestação que revela o
cerne daquilo que Lefebvre (2001) apontava como luta pelo direito à cidade“ (…) uma
atividade criadora, de obra (e não apenas de produtos e bens materiais consumíveis),
necessidades de informação, de simbolismo, de imaginário, de atividades lúdicas”
(LEFEBVRE, 2001, p.105). Ocupar e transformar o uso do espaço é um meio de
consumir a música, não apenas numa tradição de contemplação, mas de transe coletiva, o
que é o eixo fundante da música popular do século XIX, algo teoricamente recente na
história da humanidade, onde o espaço das ruas, praças, equipamentos se constituem
como ambientes coletivos de convívio (VIANNA, 2014). Os pancadões retomam deste
modo o espírito intrínseco dos bailes de comunidade.
Um detalhe importante dessa lei é que a mesma não se configura somente como
fiscalizadora do nível do som, mas sim, na proibição da realização de confraternização e
convívio que envolvam qualquer ambiente coletivo de uso de som em automóveis.
Portanto, a lei não específica o limite de decibéis do que é considerado como “sons ou
ruídos em excesso”. Aliás, já existe uma legislação nacional exclusiva seja no código
civil ou mesmo na constituição federal que regulamenta o nível de som nas vias, nos
prédios, na vizinhança, de modo, a garantir condições de usufruto contra transtornos
causados por sons e ruídos abusivos. Interessante notar nesse sentido, que o artigo 225 da
3 Podemos citar também a LEI Nº 15.777 de 29 de Maio de 2013 que visava proibir os veículos
estacionados em logradouros públicos ou espaços coletivos privados de “(…) emitir ruídos sonoros
enquadrados como de alto nível pela legislação vigente mais restritiva, provenientes de aparelhos de
som de qualquer natureza e tipo, portáteis ou não, especialmente em horário noturno” (SÃO PAULO,
2013, p.1).
4 Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE)
constituição federal que aborda sobre as condições de manutenção e preservação do meio
ambiente, é o mesmo que relaciona a questão da poluição sonora.
O som, portanto, é retratado como um problema do meio ambiente, uma poluição
que praticamente naturaliza as relações sociais, não retratando assim, o conteúdo, as
motivações, os contextos dessas produções sociais. Ao analisar o debate público da
Câmara Municipal de Campinas que debateu o tema do pancadão e sua proibição, um dos
autores da “Lei do Pancadão”, o vereador Rossini, relata categoricamente que baseou a
legitimidade da lei, à partir da questão de que essas formas de manifestação configuram-
se como crime ambiental. No mesmo evento, ele reafirma que existe uma legislação
nacional que incorre sobre o assunto, seja por infração nas leis de trânsito, seja pela
garantia do sossego, mas que estas não estavam sendo suficientes, havendo necessidade
de criação de mais um mecanismo de regulação.
Segundo o comentário do secretário de segurança pública de Campinas na
discussão na Câmara, o pancadão não é um fenômeno restrito aos automóveis, mas sim é
uma dinâmica que envolve o território em volta, pequenos comércios, bares, e portanto a
lei teria que ter essa compreensão ao ser implementada. O capitão da Policia Militar
presente na mesa de debate, vai além do meio-ambiente, e constata que o problema do
pancadão é que o mesmo gera um transtorno à saúde pública. Diante estes atores ligados
ao poder do estado, o pancadão, em todo o seu viés, deve ser tratado como um crime,
pois faz parte do universo de violência, de violar direitos de vizinhança, e como se ouviu
nos discursos do debate vai contra os preceitos ideológicos da família.
Para compreendermos como os pancadões se territorializam nas regiões de
Campinas, fizemos um pedido de requerimento, via Câmara Municipal da cidade,
destinado à Guarda Civil5. Neste documento foi solicitado o número de ocorrências dos
pancadões desde o início de implementação da lei 2015 até o presente momento,
delimitando esse número por bairros. Como forma de melhor relacionar ao escopo desse
paper, adotaremos o ano de 2019 para demonstrar o mapa dessas ocorrências, pois é o
último momento registrado antes da pandemia, o que pode revelar um dado mais real
diante as medidas restritivas que foram realizadas à partir de 2020.6
5 A responsabilidade por fiscalizar e autuar os pancadões é a Guarda Civil de Campinas, embora a lei
também compreenda que se possa realizar convênios com a PM para realizar essa função.
6 Com a pandemia, em 2020 a prefeitura anunciou a “operação pancadão” uma forte propaganda para
que a população denunciasse esses encontros, justificado pelo poder público municipal pelas
Os dados revelam que dentre cerca de 400 bairros existentes em Campinas-SP,
aproximadamente, 270 bairros tiveram ocorrências de pancadões, ou seja, 67,5 % do
território de Campinas. O número é extremamente expressivo, embora tenha que ser
interpretado que nem todas as ocorrências estejam vinculadas a um padrão no formato
baile ou algo mais coletivo, há diversas situações menores, restritas e pontuais, mas que
de toda forma revela um fenômeno que liga o som automotivo em vias como uma
manifestação comum e contínua no cotidiano de lazer na cidade. O próprio requirimento
elaborado pela guarda civil revela algumas especifidades da caracterização dessas
manifestações: a primeira é que a maioria dos atendimentos das ocorrências se realizam
nas vias públicas, embora também ocorram em alguns espaços coletivos privados, como
postos de combustíveis, estacionamentos, entre outros. Outro dado é que segundo os
guardas, o estilo musical mais consumido nesses locais de pancadão é o funk. Por fim,
apontam que embora não dê pra precisar estatisticamente, consideram que a imensa
maioria do público sejam jovens.
Referente a discriminação do número de ocorrências registradas por ano
(TABELA 1), torna-se importante relatar que embora a lei tenha sido aprovada em 2014,
ela foi sancionada e implementada de fato em 2015, tendo este ano como período base. O
ano com maior número foi em 2016, tendo uma queda progressiva de casos até 2019.
Não se sabe ao certo a motivação da queda, se ao trabalho de prevenção dos sistemas de
segurança, se por aumento da repressão7, ou mesmo de mudanças no hábito deste tipo de
manifestação espacial. Quando nos referimos ao termo “ocorrências”, não estamos
tratando de recebimento de denúncias advinda do público, mas sim de atos de pancadão
registrados e autuados pelo sistema de inteligência da Guarda Civil de Campinas.
Tabela 1 – Ocorrências de pancadão, por ano, em Campinas
O alcance do popular, deste modo, ficaria entre uma ação que luta pela
manutenção de suas práticas e outra que revindica sua alteração pela imposição de
conhecimento. Em síntese, cairia naquilo que Stuart Hall (2013) aponta como a dialética
de entendimento de cultura popular marginal entre contenção/resistência.
Considerações finais
HALL, Stuart. Notas sobre a desconstrução do popular, in: Sovik, Liv (org.). Da
diáspora – identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013
SÃO PAULO. Lei municipal Nº 15.777, de 29 de maio de 2013. Dispõe sobre a emissão
de ruídos sonoros provenientes de aparelhos de som instalados em veículos automotores
estacionados, e dá outras providências. São Paulo-SP, 2013
VIANNA, Hermano. O mundo funk carioca. Edição digital. Rio de Janeiro: Editora
Zahar, 2014